Introdução
Conheci o Guilherme Melo quando ele tinha 9 anos,nas quadras do Clube YPIRANGA. Ele era uma daquelas crianças que não saiam da quadra e não deixam espaço para os adultos. Aí eu era obrigado ganhar dele, do irmão e até do pai, kkkkkkk. Fase essa que durou bem pouco.
Sua avó mora no prédio do meu pai então nossas raízes são as mesmas.
Quando voltou dos EUA apareceu no clube depois de muitos anos, não reconheci ele de imediato. Eu estava tomando um pau, não entendia daonde tinha saído aquele monstro.
Aí ele vira e fala : – Você não lembra de mim?
Gui, te conheço desde os tempos do juvenil, como era esse circuito no seu tempo e como vê as diferenças?
O circuito juvenil na minha época era muito pouco organizado e estruturado. Na minha época de juvenil eu joguei apenas um sulamericano que foi em 2004 e nunca participei de um pan juvenil, por exemplo. Em 2009 fui para o mundial juvenil junto com o Pedro Mometto mas foi um esforço único e exclusivamente do Julio Caseiro, a confederação na época não ajudou em nada. Talvez até por isso hoje temos essa carência de jogadores profissionais, porque não teve um trabalho de base bem feito no passado.
Hoje, ainda temos muito a melhorar mas o Squash do Amanhã tem feito um trabalho muito importante em trazer crianças e pais pra perto do esporte e eu sinto que a confederação mudou a percepção com relação ao juvenil. Há vários anos temos seleções disputando sulamericanos, panamericanos e até mundiais recorrentemente e isso me deixa muito feliz.
Acho que ainda é preciso ser feito um trabalho pensando em alto rendimento para os juvenis no longo prazo e também é preciso arrecadar fundos para esses juvenis terem uma perspectiva quando virarem profissionais. A Confederação Americana de Squash é um exemplo bom disso. Apoiam seus principais jogadores financeiramente e dão condiçÕes de eles se desenvolverem no esporte. Ainda estamos longe disso mas é preciso começar a pensar nessas coisas para desenvolvermos o esporte no longo prazo.
Conta como foi o Mundial Juvenil que jogou, aquele que você ganhou do PAUL COLL?
Em 2009 tive a oportunidade de viajar para jogar o Scottish e British Open juvenis, alguns meses depois do Mundial juvenil que fui com o Pedro. Na época fui eu, a Carolina Raucci e o Julio Caseiro. Foi uma experiência incrível poder jogar no meio de jogadores de um nível tão alto e isso para um juvenil incentiva demais.
Fui 3 colocado no Scottish Open e fiquei entre os 64 no British em uma chave de 128. Nesse ano quem ganhou o Brittish foi o Mohamed ElShorbagy, não tinha conversa com ele, estava muito a frente de todos dentro de quadra.
Em ambos campeonatos ganhei do Paul Coll mas só fui ver isso anos depois revisitando as chaves dos campeonatos online. E acho legal falar isso pq o Paul Coll é um exemplo de dedicação e trabalho dentro de quadra. Muita gente fala que pra ser um campeão é necessário ter talento e eu discordo. Trabalho supera talento em qualquer esporte. Paul Coll não foi um juvenil com bons resultados por exemplo. Mas teve apoio e uma mentalidade forte de treino e trabalho. Squash é um esporte que demanda muito do mental e do físico e para evoluir e jogar bem no nível profissional é necessário treinar de 3h a 4h pelo menos. Analisar jogos, muita repetição, movimentação dentro de quadra, drills, jogos condicionados e etc.
Para todos os juvenis que tiverem lendo essa entrevista e que tem um sonho de se profissionalizar no squash aproveitem essa época para treinar o máximo que puderem enquanto ainda não tem várias outras responsabilidades. Entrem em quadra o máximo possível, assistam jogos profissionais, e batam muita bola sozinho. Treinos solo são muito importantes!
Você fez a faculdade nos EUA. Quanto mudou seu jogo e a forma que entende o SQUASH? Existe muita diferença de como que treinamos aqui?
Nos EUA eu tive a oportunidade de treinar por 2 anos com o John White (ex-número 1 do mundo) e poder entrar em quadra com ele foi um privilégio enorme. Um jogador que tem uma visão e inteligência dentro de quadra muito diferenciado e eu aprendi muito com ele durante esse tempo.
Os treinos da faculdade no geral eram um pouco diferentes porque era uma dinâmica de equipe e não individual. O formato do universitário na minha época era de 9 jogadores titulares então os treinos eram mais coletivos do que individualizados. Porém eu aproveitei muito esses anos de faculdade para estar dentro de quadra com o John White o máximo possível fora dos treinos de time e também evolui muito durante as competições que tem um nível alto no universitário. Os principais jogadores na minha época eram o Ali Farag e o Todd Harrity.
Tirando a faculdade também evoluí muito nos 3 meses que passei treinando em Praga. Acho que a principal diferença desses lugares para o Brasil é o conhecimento de squash que esses caras tem. Eles sabem treinar do jeito certo, sabem corrigir coisas que nunca tinham me corrigido aqui no Brasil, já jogaram no nível mais alto do squash e sabem o que é necessário para atingir esse nível.
O treinamento aqui no Brasil ainda é muito amador. Tem dois caras no Brasil que eu realmente vejo que possuem uma visão diferenciada de treino que são o Julio Caseiro e o Glaucio Novack. Caras que formaram atletas de alto rendimento e que estão ali dentro de quadra, treinando, corrigindo, analisando, olhando seus jogadores e dando feedbacks constantes.
Eu tive a oportunidade de ter o Julio como meu treinador pessoal e sem ele jamais teria feito faculdade nos EUA e nem ter sido campeão brasileiro duas vezes. Foi o cara mais importante na minha careira dentro do squash sem nenhuma dúvida.
Ser profissional no Brasil não é para amador, né? Quais são as maiores dificuldades que atletas da América do Sul têm?
Realmente não é fácil ser profissional no Brasil. E pra todo mundo que é profissional hoje ou quer ser no futuro eu digo: Vá para fora do Brasil. É necessário estar junto dos jogadores e treinadores top do mundo. EUA ou Europa são os grandes polos do squash no mundo e pra ser um jogador de ponta é necessário passar por algum desses lugares. Só pode ficar um mês? Sem problema, vai e absorve o máximo que puder do conhecimento que esses lugares podem te dar. No Brasil não temos jogadores nem conhecimento suficientes para ser um jogador de alto nível top 100 pra cima.
Mas falando das dificuldades acho que principalmente apoio, conhecimento e estrutura. No Brasil por exemplo não temos um centro de treinamento e formação de atletas. Temos academias e clubes e cada um faz um trabalho separado.
Além disso acho que a confederação tem que evoluir muito ainda. Não temos um planejamento de longo prazo. Não temos um plano piloto de quantos jogadores juvenis queremos ter em um, cinco, dez anos. Quantos jogadores dentro do top 100 queremos ter em um, cinco, dez anos. Quantas medalhas queremos ganhar no sula/pan juvenis em um, cinco, dez anos. Não temos um planejamento de treinamento da equipe juvenil junto com a profissional por exemplo.
É necessário ter um projeto até para conseguir arrecadarmos verba e podermos trabalhar a base e o profissional. Mas ainda estamos longe disso.
Como está vendo o processo de formação de jogadores no Brasil. O que poderíamos fazer?
Vejo esse processo muito individualizado ainda. Cada academia ou clube tem seu programa e trabalham dessa forma.hjais e mais eu vejo que estão dando uma importância maior para os juvenis e formação da base. Isso é muito importante. Vejo um número maior de juvenis hoje do que na minha época e uma garotada com potencial. Isso é muito legal, agora precisamos dar perspectiva para eles e uma base de incentivos.
A confederação poderia por exemplo fazer um esquema de incentivos por méritos.
Pegar os campeões e campeãs brasileiros juvenis e colocá-los pra treinar uma semana com os profissionais.
Planos de incentivo para os medalhistas individuais sula e pan – pagar para jogar algum torneio fora do país (us open, canadian, british, etc).
Trazer treinadores de fora para fazerem camps com a seleção.
Esse tipo de coisa incentiva as crianças a treinarem mais, a terem uma meta a alcançar. Isso é importante no juvenil. Na minha época eu fui 4x campeão brasileiro e voltava pra casa e estava tudo igual. Acho que eu só continuava a treinar pq era uma criança muito focada e gostava muito de squash. Mas se pega alguém que não tem tanto foco assim aquela criança vai pra outro esporte ou vai fazer outras rapidinho.
Precisamos pensar em como manter e evoluir os juvenis que temos hj dentro do esporte.
Mauricio Penteado
Fundador do SDA e criador da Escola do Squash
