
O Japão enfrenta uma crise silenciosa e devastadora dentro de seus lares: o “care killing”, termo utilizado para descrever casos em que cuidadores familiares, sobrecarregados e desesperados, acabam matando idosos sob seus cuidados.
A cada oito dias, um idoso no país é morto por um parente próximo, segundo um estudo conduzido pela professora Etsuko Yuhara, especialista em bem-estar social da Universidade Nihon Fukushi.
Este fenômeno escancara os desafios da sociedade japonesa diante do rápido envelhecimento populacional, da pressão social sobre os cuidadores e da insuficiência das políticas públicas de assistência.
O peso do cuidado e o colapso emocional
Segundo os dados levantados, entre 2011 e 2021, ocorreram 437 casos de “care killing” no Japão, resultando em 443 mortes. Os principais responsáveis pelos assassinatos são:
— Filhos(as): 55,8% dos casos
— Cônjuges: 23,6%
— Genros/Noras: 12,6%
— Outros familiares: 8%
O perfil mais comum dos envolvidos são homens na faixa dos 50 a 60 anos, que deixaram seus empregos ou reduziram suas jornadas de trabalho para cuidar de pais idosos. Em muitos casos, esses cuidadores enfrentam isolamento social extremo, dificuldades financeiras e problemas de saúde mental, o que os leva ao limite da exaustão física e emocional.
“Alguns não têm com quem desabafar, não recebem apoio do Estado e, ao longo dos anos, acumulam frustrações até um ponto de ruptura. Muitos não veem saída”, explica Yuhara.
Crise demográfica e ausência de suporte
O Japão tem uma das populações mais envelhecidas do mundo. Em 2024, quase 30% dos japoneses têm 65 anos ou mais, uma taxa que continua a crescer. O sistema de bem-estar social não consegue acompanhar essa demanda, deixando muitas famílias sem alternativas para o cuidado de seus idosos.
Os asilos e casas de repouso são escassos, extremamente caros e têm longas filas de espera. Além disso, existe um forte estigma cultural em relação a colocar os pais em instituições de longa permanência. Na sociedade japonesa, cuidar dos pais idosos é visto como um dever moral, o que leva muitos filhos a assumir essa responsabilidade sozinhos, mesmo sem condições para isso.
O problema se agravou com a pandemia de COVID-19, quando muitas famílias tiveram que cuidar dos idosos em casa, sem acesso a redes de apoio. Esse isolamento intensificou casos de depressão e crises emocionais entre os cuidadores, aumentando os episódios de “care killing”.
Casos emblemáticos de “care killing”
Os casos de “care killing” são chocantes e, muitas vezes, envolvem não apenas o assassinato do idoso, mas também o suicídio do cuidador.
Em um episódio registrado em Tóquio, um homem de 58 anos, ex-executivo de uma grande empresa, foi preso após estrangular sua mãe de 85 anos, que sofria de demência. Ele deixou uma carta dizendo que “não aguentava mais” e que “não queria ver sua mãe sofrer”.
Em outra ocorrência, um homem de 63 anos se jogou na frente de um trem depois de sufocar a esposa com um travesseiro. Ela estava acamada há anos, e ele não via alternativas para seguir cuidando dela.
Os tribunais japoneses, em muitos casos, levam em conta o desespero dos cuidadores e aplicam penas reduzidas para aqueles que matam parentes idosos em circunstâncias de exaustão extrema.
Soluções e desafios para o futuro
Especialistas apontam que a solução para essa crise passa por um reforço no sistema de suporte social e no desenvolvimento de redes comunitárias de apoio. Algumas medidas que poderiam mitigar o problema incluem:
— Expansão dos serviços de assistência domiciliar para aliviar a carga dos cuidadores.
— Aumento de subsídios governamentais para que famílias possam pagar por serviços especializados.
— Campanhas contra o estigma do cuidado institucionalizado, incentivando o uso de casas de repouso quando necessário.
— Criação de programas de apoio psicológico e emocional para cuidadores em situação de exaustão.
O governo japonês tem consciência do problema e já implementou algumas políticas para aliviar a pressão sobre os cuidadores, como o aumento do orçamento para serviços sociais e a criação de programas de suporte psicológico. No entanto, especialistas alertam que medidas mais abrangentes são necessárias com urgência.
Enquanto isso, o “care killing” segue como um trágico reflexo de uma sociedade que envelhece rapidamente, mas ainda não encontrou uma solução para cuidar de seus idosos de forma digna e sustentável.
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