Cenas do Supermercado – Idade nova

Nova idade, velhos costumes. Ontem, no açougue, peguei a fila dos idosos. Na minha frente, uma senhora e dois senhores, na casa dos oitentas anos. Bom, pensei, tenho o mesmo direito. A moça da outra fila me olhou desconfiada, o sujeito com cara de militar me jogou chispas de fogo diretamente dos olhos arregalados, uma espécie de raiva. Eu fazia exatamenteo isso tempos atrás, imaginava que era esperteza quando alguém com rosto contendo resquícios da juventude entrava na fila dos idosos.  Agora, lá estava eu, na fila dos idosos. Que palavra chata é essa, idoso. Deviam arrumar algo mais dócil. Velhinho? Não, melhor deixar idoso mesmo. Enfim chegou a minha vez, os olhos de ódios estavam ao lado, um pouco atrás. O açougueiro me atendeu sorrindo: – Olá, o que vai levar hoje? – Alcatra no segundo corte e coxinha da asa, um quilo cada. Ele não demorou para trazer o meu pedido. – Deseja mais alguma coisa? Olhei para o fundo da fila antes de responder: – Desejo que minhas unhas dos pés parem de crescer. – Como é? – As unhas do meu pé, elas crescem feito chuchu na serra, é uma dificuldade para cortar…. – Ah, é difícil mesmo. – Para um jovem como você, é bem mais fácil. – Ah, mas o senhor ainda está jovem. – Nem tanto, já sou idoso, desde o dia 16. Não parece porque uso shampoo, cremes, grecin, como legumes e frequento academia… Ele prosseguiu me olhando surpreso: – É…tem que se cuidar. – Sim, porque só remédios não dão conta do diabo. – Diabo? – Sim, o diabetes. – Ah, o senhor tem. – Todo mundo tem após os quarenta, mas o passar dos anos vai ficando crítico, a gente perde a visão, tem que usar meia de compressão, isso sem falar…ah, deixa pra lá. – Sempre bom atender o senhor. Próximo! E fui embora passando entre eles, meio manquitolando para disfarçar, resmunguei alto para me fazer ouvido: – Maldito esporão do calcaneo…   André Alvez