Valores exorbitantes pagos pelo Estado de Mato Grosso do Sul e Município de Campo Grande em cirurgias na rede particular, em 2023, levantaram a suspeita de possível esquema entre clínicas e médicos, com participação de advogada da Capital. Relatório apresentado pela Procuradoria-Geral do Estado no ano seguinte, mas que veio à tona ontem (25) após a abertura de investigação sobre operações ortopédicas , indica “possível prática criminal”, sem dizer qual. O documento destaca a advogada Luciana Tosta Quintana Ribas e neurocirurgiões que estavam ou ainda estão à frente das clínicas INCC (Instituto de Nervos, Cérebro e Coluna), Martins Neuro Serviços, Nanoneuro e WW Zeviani. O ortopedista Roberto Cisneiros, que atende em local próprio, também é citado. Os nomes e empresas são os que mais se repetem em 32 ações judiciais movidas por Luciana para que clientes conseguissem obrigar o poder público a pagar operações e acompanhamento pós-operatório. Eles chegaram a ser estimados em mais de R$ 300 mil e têm em comum diferenças de apenas 5% entre os valores orçados, segundo o relatório. Os clientes são pacientes que comprovaram correr risco de morte ou sequelas graves, e que não tinham condições financeiras de pagar pela rede particular ou contar com o SUS (Sistema Único de Saúde) sobrecarregado. O que dizem – O Campo Grande News fez contato com todos os citados, mas conseguiu falar apenas com Luciana Tosta e o médico Antônio Martins, responsável pelo INCC e pela Martins Neuro, até o fechamento desta matéria. A advogada explicou que os orçamentos são responsabilidade do paciente conseguir, e se defendeu dizendo que não se beneficia do dinheiro público pago pelas cirurgias, se limitando a receber honorários de até R$ 3 mil nas causas ganhas. “Estão dizendo que eu poderia ganhar 20% do valor das ações, só que isso não procede. Tenho todas as sentenças de todos os processos, e elas mostram que meus honorários de sucumbência são de R$ 1 mil, R$ 2 mil, R$ 3 mil”, falou. Luciana admite que conhece Antônio há alguns anos e passou a ser indicada por pacientes que queriam entrar com ações judiciais, mas ressalta que isso não é proibido dentro da advocacia e não contraria leis. “Eu não tenho vínculo financeiro com o médico. A pessoa que precisa da cirurgia pode ser indicada, me procurar e me contratar, se quiser”, finalizou. Já Antônio reconhece que diferentes médicos do INCC chegaram a ajudar pacientes “desesperados” e sem condições financeiras, já muito debilitados, a conseguir orçamentos dentro da própria clínica mediante atendimentos gratuitos – o juiz pede três opções de valores, no mínimo. Dentro dessa prática, o menor valor costumava ser o do neurocirurgião que primeiro atendeu a pessoa, ele acrescentou. “Mas jamais houve intenção de cartel”, diz. Antônio afirma também que nunca induziu um paciente a ajuizar uma ação contra o Estado ou Município. “Quando o paciente nos procura e não tem condições financeiras, encaminhamos para SUS. Eles optam por ingressar com processo. Muitos já vêm ao consultório sabendo dessa possibilidade”. Por fim, o neurocirurgião frisa que “nunca houve preços exorbitantes, que tudo tem justificativa, e os procedimentos são todos codificados em tabelas da rede privada”. De onde veio a suspeita – A primeira suspeita de abuso nos valores bloqueados dos cofres públicos para bancar as cirurgias, partiu do juiz Claudio Müller Pareja. Em decisão relacionada a um caso que a 2º Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos de Campo Grande julgou, ele escreveu: “constato que está havendo abuso por parte dos particulares, que deveriam atuar em colaboração com o Poder Público, mas parecem estar visando lucros estratosféricos em prejuízo do Poder Público e do dinheiro público”. Na mesma decisão, o juiz chama atenção para uma provável omissão e inércia do Poder Público, escrevendo que “não houve impugnação por parte dos executados”, ou seja, nem Estado e nem Município questionaram os valores ou apresentaram orçamentos mais compatíveis. O abuso pode ter ocorrido, ainda de acordo com o juiz, em casos em que “três orçamentos juntados, de médicos distintos, de um valor tão expressivo, estejam dando valores tão próximos, que não se distanciam em 5%”, o que “não é comum na iniciativa privada”. Sem questionamento – A “complexidade” dos procedimentos indicados por médicos nas ações é justificativa que a Procuradoria-Geral do Estado usa para explicar a não contestação de orçamentos que podem estar fora da realidade do mercado. “A referida complexidade traz ainda maiores óbices do que as naturalmente já existentes para que os entes públicos obtenham, com outros profissionais, orçamentos capazes de abranger a integralidade dos procedimentos requeridos judicialmente. Outros orçamentos seriam importantes, contudo, para que se pudesse avaliar qual, de fato, é o valor de mercado das cirurgias postuladas e, assim, apurar uma possível abusividade nos valores dos orçamentos de equipe médica apresentados pela parte autora”, escreve. A reportagem pediu ontem à assessoria de imprensa da Prefeitura de Campo Grande um posicionamento da Procuradoria-Geral do Município, mas não houve retorno. Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais .
Gasto público com cirurgias caríssimas colocam advogada e médicos sob suspeita
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