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A China deu mais um passo em sua disputa econômica com os Estados Unidos ao anunciar medidas que reforçam sua posição no cenário global e ampliam sua influência nos países menos desenvolvidos. Pequim passou a adotar uma política de tarifa zero para todos os produtos originados de países classificados como os menos desenvolvidos do mundo, conforme critério da ONU. A medida visa estimular o intercâmbio comercial com essas nações e consolidar a China como parceiro estratégico do Sul Global.
A isenção vale para países que tenham relação diplomática com a China e renda per capita bruta inferior a US$ 1.018 dólares. Essa política deve servir a cerca de 30 países africanos, tais como Angola, São Tomé e Príncipe e Ilhas Salomão. A China é o primeiro país de grande porte a oferecer essa alternativa a países com pouca inserção no comércio internacional.
Retaliação estratégica e aproximação com o Sul Global
O cientista político Augusto Leal Rinaldi (PUC-SP), autor de O Brics nas Relações Internacionais Contemporâneas: Alinhamento Estratégico e Balanceamento de Poder Global (Appris, 2021), analisa a nova estratégia chinesa como um movimento de duplo impacto.
“As imposições tarifárias dos Estados Unidos não serão recebidas impunemente pela China. Os chineses têm condições de retaliar – e é o que estão fazendo ao reduzir a exportação de minérios necessários para a fabricação de componentes tecnológicos – e isso mostra, sobretudo à nova administração Trump, que a guerra comercial também afetará negativamente os Estados Unidos”, destacou Rinaldi.
A decisão de isentar países menos desenvolvidos de tarifas de importação também carrega uma mensagem geopolítica. Segundo Rinaldi, Pequim busca se posicionar como um ator global comprometido com a estabilidade e o desenvolvimento, particularmente da África, contrastando com a postura isolacionista dos EUA.
“Isso demonstra a disposição da China de se apresentar como um país comprometido com uma agenda de globalização e facilitação de intercâmbio comercial. Os chineses aparecem como um país preocupado com a estabilidade global e sensível aos interesses dos países de menor desenvolvimento relativo. Parece-me ser uma estratégia de maior alinhamento aos países do chamado Sul Global e, ao mesmo tempo, um posicionamento de grande potência ao lidar de maneira assertiva à postura iliberal por parte de Washington”, analisa ele.
Impactos na África e no comércio global
Com a medida, cerca de 30 países africanos poderão exportar seus produtos à China sem tarifas, desde que mantenham relações diplomáticas com o gigante asiático. Essa política se soma a décadas de investimentos chineses na África. De acordo com a Iniciativa de Pesquisa China-África (CARI), os investimentos diretos da China na região saltaram de US$ 74,8 milhões em 2003 para US$ 4,23 bilhões em 2020. Em setembro, o presidente Xi Jinping anunciou um financiamento adicional de US$ 50 bilhões para os próximos dez anos.
O porta-voz do Ministério do Comércio chinês, He Yongquian, indicou que a política tarifária busca integrar os países menos desenvolvidos ao “vasto mercado chinês”, promovendo oportunidades econômicas mútuas. No entanto, críticos apontam que a dependência econômica da África em relação à China pode reforçar assimetrias no longo prazo, embora essa dependência dos EUA e economias europeias seja mais nociva, com ganhos principalmente para essas potências.
A cooperação China-África está alinhada com os objetivos da UNCTAD de promover o desenvolvimento sustentável por meio de investimentos em infraestrutura que aprimoram as capacidades de fabricação da África, aumentando as oportunidades comerciais, fomentando a diversificação econômica e integrando os países africanos à cadeia de valor global.
Tensões com os EUA e o futuro do BRICS
Enquanto a China avança com medidas de integração econômica, os EUA endurecem as restrições à exportação de tecnologias avançadas para o gigante asiático. O Bureau of Industry and Security (BIS), órgão ligado ao Departamento de Comércio norte-americano, anunciou controles adicionais sobre semicondutores, uma resposta à crescente competitividade tecnológica chinesa. Pequim reagiu restringindo a exportação de materiais críticos como germânio e gálio, essenciais para a produção de chips, afetando diretamente a cadeia produtiva dos EUA.
A relação entre China e EUA também se aquece no âmbito do BRICS. Donald Trump, presidente eleito dos EUA, ameaçou impor tarifas de 100% sobre os produtos de países membros caso avancem propostas como a criação de uma moeda comum, discutida na cúpula do grupo em outubro, em Kazan, Rússia.
A análise do especialista sugere que a disputa vai além da economia. A retórica de Trump contra o BRICS e as restrições tecnológicas são respostas ao crescente protagonismo chinês e à tentativa de balanceamento de poder global. Pequim, por sua vez, busca se consolidar como líder de uma ordem multipolar que desafia a hegemonia dos EUA.
O que está em jogo
As recentes ações de Pequim mostram que a guerra comercial com os EUA não é apenas uma disputa econômica, mas uma batalha pela definição da nova ordem mundial. Enquanto os Estados Unidos reforçam o protecionismo e a rivalidade tecnológica, a China investe em alianças comerciais estratégicas e se apresenta como defensora da globalização inclusiva.
O cenário para 2025 será decisivo, com a reconfiguração das políticas externas de ambas as potências e o impacto disso sobre o BRICS e o comércio global. A rivalidade entre Washington e Pequim deve moldar não apenas as relações bilaterais, mas também o equilíbrio de poder no século XXI.
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