A audiência pública que debateu o projeto de lei que pretende proibir a pesca de 29 espécies de peixes encontrados nos rios sul-mato-grossenses por 5 anos, realizada na tarde desta sexta-feira (21), na Assembleia Legislativa, foi marcada por intensos debates. Foram 4h40 de discussões acaloradas entre deputados e uma plateia composta por pescadores profissionais, amadores e esportivos. Representantes das 14 colônias de pesca do Estado vieram representar os mais de 8 mil trabalhadores que vivem da pesca e alegam não ter sido ouvidos pelo autor da proposta, o deputado estadual Roberto Razuk (PL), o Neno Razuk. Parte das caravanas ficou do lado de fora do plenário, que teve a plateia dividida entre o grupo que apoiava o texto e o que o rechaçava. Quem ficou do lado de fora lamentou a falta de oportunidade de falar. “É uma audiência pública covarde, porque tivemos nossos direitos desrespeitados. Somos 8 mil pescadores e os esportivos são cerca de 500. Eles colocaram a gente do lado de fora, sendo que a divisão está desigual. Sai de Ladário 4h para ficar do lado de fora. Temos direitos iguais. Só está lá dentro falando quem não entende de nada. Estamos decepcionados e nos sentimos humilhados”, lamentou Elis Regina Severino, fundadora e presidente da Colônia Z 14. Ela afirma que nunca foi ouvida pelo autor do projeto ou sua equipe. “Mais uma vez nós somos tratados como nada na sociedade. Como se fôssemos um lixo, um erro. Não somos. Nós que colocamos pescado na mesa do povo. Nós merecemos respeito. Viemos para ser ouvidos e não ouvir. Eles estão falando só inverdades e não conhecem a verdade do território. Se esse projeto for aprovado, vai ser uma tragédia, uma lástima. Porque 70% dos pescadores são semianalfabetos. Se for para fechar a pesca, tem que fechar para todos”, enfatizou. O diretor do Ecoa (Ecologia e Ação), André Luiz Siqueira, revelou surpresa com o conteúdo do projeto de lei. “Fomos surpreendidos. Porque no final do ano passado, a partir do momento que o governador se comprometeu a reativar o Conpesca (Conselho Estadual de Pesca) depois de 20 anos e o fez, nós tínhamos uma pauta de prioridades e queríamos corrigir equívocos graves de decretos dos governos passados que influenciam a vida dessas pessoas. Fomos surpreendidos por uma lei que foi muito mal feita, como a de Mato Grosso, que está no STF (Supremo Tribunal Federal) sendo questionada”, enfatizou. O representante da ONG elencou a falta de proximidade do deputado com o assunto e o desconhecimento dos impactos na vida dos pescadores profissionais. “Um deputado que não tem história com a categoria, com a conservação das duas bacias, não entendeu o contexto e apresenta uma coisa esquizofrênica. Não entendo como querem excluir uma classe trabalhadora, que são guardiões do rio, são bioindicadores importantes. O estado nunca se moveu para fazer ciência nenhuma com o assunto. Agora o projeto de lei vem e mexe com a vida de milhares de famílias, isso é muito pesado e muito profundo”, disparou. Para André, os pescadores profissionais são patrimônio histórico do Estado e deveriam ser reconhecidos como bem imaterial da cultura sul-mato-grossense, como ocorre em outras federações. “Isso só evidencia a discussão de ricos que não precisam depender dos rios, que vão uma vez ao mês pescar, querendo alijar um grupo social importante, propondo soluções genéricas e superficiais. A solução seria derrubar e ir ao Conselho Estadual de Pesca para começar a trabalhar em uma lei que atenda a todos os setores. Era o mais próximo que deveria ser, e não essa esquizofrenia”, afirmou. O deputado estadual José Orcírio Miranda, o Zeca do PT, também defendeu os pescadores profissionais. “Vocês, que são pescadores esportivos, não podem ser egoístas. Em nenhum momento vocês deram alternativas para os pescadores profissionais. Eu acredito na sensibilidade do deputado Neno para fazer desse limão uma limonada”. A deputada estadual Gleice Jane (PT) completou que é preciso ir além do pescado. “Não tem como debater o peixe sem debater a água. Os rios do Estado estão assoreados. Há situações sérias para debater, e todos devem participar. Inclusive, a ciência tem que fazer parte dessa discussão”. Já o pescador esportivo Maurício Ortiz, conhecido como Pescador do Cerrado, ressaltou que acredita que há muito a ser discutido antes do projeto continuar tramitando na Casa de Leis. “Tem muito trabalho a ser feito ainda. Isso aqui é apenas um passo. Estamos em um bom caminho de diálogo, de conversa. Tanto os nossos pescadores esportivos quanto os pescadores profissionais, a gente ama o rio, a gente ama o peixe. Agora estamos começando a nos entender para poder chegar a um denominador comum pelo meio ambiente, não é pela gente, é pelo meio ambiente”. Para o pescador esportivo Maxwell Antunes, o encontro foi importante para diminuir as dúvidas dos dois lados. “O nosso lado acabou cedendo em algumas questões importantes de opinião, e o lado dos pescadores profissionais até nos parabenizou por estar apresentando de uma maneira diferente, porque tinha muita notícia falsa circulando. Foi bom para a gente se entender, um pouco para a gente se ajustar, e vimos que está todo mundo falando a mesma língua. Acredito que daqui para frente a tendência é que a gente se una com mais força para que a natureza ganhe, que as categorias ganhem e que todo mundo saia com o objetivo final, que é todo mundo ter o seu sustento e um meio ambiente com melhores condições”. O secretário-adjunto da Semadesc (Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação), Artur Falcette, afirmou que o governo do Estado está disponível para mediar a situação. “Essa é uma questão ampla, não é só ambiental, é social, é cultural. O governo do Estado não tem pretensão de dizer o que pode e o que não pode fazer. Estamos para mediar a conversa e propor algo que faça sentido. Nossa recomendação é ajudar a dar uma solução. Temos toda a equipe técnica do governo do Estado à disposição e vamos trabalhar o quanto for necessário. O Conpesca também está à disposição”. Ele citou a Lei do Pantanal como exemplo para a situação. “No final do ano passado fizemos o debate de uma das políticas públicas mais complexas que esse estado criou, que foi a Lei do Pantanal. A gente tinha tudo para estar aqui dentro, de um lado os produtores rurais e do outro os ambientalistas, criando esse clima. Mas isso não aconteceu, porque todos entenderam que o Pantanal era importante para os dois lados e que a gente precisava, sim, fazer concessões de ambos os lados, porque não vamos construir nada que seja permanente, nem política pública de Estado, se a gente não tiver capacidade de dialogar.” Por fim, Falcette disse que não há como simplificar o debate, que é transversal. “Se a gente simplificar e disser que pode ou não pode, com certeza fracassaremos e, daqui a umas gestões, teremos a mesma discussão, colocando vocês em lados opostos, o que absolutamente não existe, porque todos dependem do mesmo recurso.” A audiência pública foi encerrada com o deputado Neno Razuk ressaltando que o projeto dele não se trata de cota zero das espécies e que não irá retirar o texto para fazer alterações. “Não é nossa intenção prejudicar vocês. Acredito muito que podemos chegar a uma composição para que todos sejam contemplados. Queremos buscar alternativas; se não fosse isso, não teria feito a audiência. O peixe vivo no rio vale mais. Vocês vão aprender isso, e o governo tem a obrigação de qualificar e fazer uma transição com vocês”, disse o parlamentar, concluindo que o interesse é preservar o meio ambiente. Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais .