Em nome da harmonia, muitas pessoas vivem um paradoxo: sacrificam seu próprio conforto para garantir o bem-estar alheio. Isso pode parecer um gesto altruísta, até admirável, mas quando se torna padrão, deixa de ser nobre para se transformar em um comportamento autodestrutivo. A verdade é que se colocar em constante desconforto para agradar os outros é um ato de violência silenciosa contra si mesmo. Essa prática não apenas mina a saúde mental, mas também perpetua ciclos de desvalorização pessoal. De onde vem essa tendência? Colocar as necessidades dos outros acima das suas pode ter raízes em: A educação e o papel do “bom comportamento”: Muitas pessoas crescem aprendendo que ser amado está diretamente ligado a agradar. Frases como “seja educado” ou “não faça os outros se sentirem mal” podem ser internalizadas de forma extrema. Medo do conflito: Para evitar confrontos ou a sensação de rejeição, é mais fácil se sacrificar do que estabelecer limites. Baixa autoestima: Quem não valoriza a si mesmo acredita, mesmo que inconscientemente, que os sentimentos dos outros têm mais importância. Necessidade de aceitação: Há quem confunda agradar com ser aceito, como se o amor dependesse de quanto desconforto se está disposto a suportar. Os impactos na saúde mental Esse hábito de se anular pelo bem-estar alheio pode parecer inofensivo no início, mas seus efeitos se acumulam e resultam em: Estresse e esgotamento emocional: O esforço contínuo para agradar os outros sem cuidar de si mesmo leva à exaustão. Sentimento de frustração e vazio: Ignorar as próprias necessidades gera uma sensação constante de insatisfação e desvalorização. Ressentimento: A longo prazo, o sacrifício pode virar mágoa, não apenas em relação aos outros, mas também em relação a si mesmo. Perda de identidade: Quando você prioriza os outros o tempo todo, começa a esquecer quem realmente é e o que quer da vida. O problema do desequilíbrio Ceder para ajudar ou confortar outra pessoa é, em muitas situações, parte de relacionamentos saudáveis. O problema surge quando essa dinâmica se torna unilateral. Ninguém deve viver constantemente em desconforto apenas para preservar o bem-estar de outra pessoa. Relações equilibradas exigem reciprocidade, onde ambos os lados reconhecem as necessidades um do outro. Como começar a dizer não ao desconforto Para quem está preso nesse ciclo, sair dele pode ser desafiador, mas não impossível. Aqui estão alguns passos: Reconheça suas necessidades: Identifique o que realmente importa para você e aceite que suas emoções são tão válidas quanto as dos outros. Estabeleça limites claros: Dizer “não” não significa ser rude ou egoísta, mas sim proteger seu espaço emocional. Pratique a assertividade: Expresse o que você sente de forma direta e respeitosa. Por exemplo, em vez de se forçar a aceitar algo que te incomoda, diga: “Isso não funciona para mim agora”. Reflita sobre os relacionamentos: Pergunte-se se as pessoas à sua volta respeitam você e sua individualidade. Quem realmente se importa com você não se beneficiará do seu sacrifício constante. Procure apoio: Conversar com um terapeuta ou com alguém de confiança pode ajudar a entender por que você prioriza o conforto alheio. O conforto de todos, inclusive o seu Se colocar em primeiro lugar não é egoísmo; é autocuidado. Pessoas saudáveis emocionalmente conseguem ajudar os outros de forma genuína porque estão em equilíbrio consigo mesmas. O conforto e a felicidade não precisam ser um jogo de soma zero. É possível criar dinâmicas onde o bem-estar mútuo seja prioridade. Portanto, da próxima vez que você se sentir desconfortável para não “desagradar”, pergunte a si mesmo: vale a pena? Porque, no final das contas, ninguém deveria ter que desaparecer para que os outros brilhem. (*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo.